domingo, 15 de fevereiro de 2015

João Paulo Rodrigues: "Tenho saudades do tempo em que era só o Quim Roscas"

João Paulo Rodrigues: "Tenho saudades do tempo em que era só o Quim Roscas"

Músico frustrado, quer aprender a tocar piano mas ainda não acabou o curso de Direito. Em 2013, aceitou vestir a camisola da SIC pelo desafio de apresentar um programa diário. Mas quer mais, porque ainda tem muita coisa para fazer, como o projeto musical a solo. Eis uma viagem pelo universo do apresentador de Queridas Manhãs.

Ainda tem medo de que lhe peçam para fazer contas?
Medo não tenho, mas já assumo que sou um zero à esquerda a matemática. A nossa relação sempre foi fraquinha e a culpa é da minha mãe, porque nas férias de verão punha-me a fazer contas de dividir. Ganhei uma aversão à matemática...
Portanto, nem vale a pena pedir-lhe para fazer uma conta.
Não, não vale a pena. Esqueça [risos].
Esta aversão nunca lhe deu problemas a nível de discussão de salários?
Não negoceio salários. Quem negoceia é a minha agência. Qualquer pessoa que trabalhe para os outros, que trabalhe em televisão, música, que pinte, seja o que for, é muito o lado direito do cérebro. Enquanto uma pessoa do lado esquerdo é muito sistemática, eu sempre fui muito do lado direito. Sempre fui muito distraído, muito cabeça no ar. Um artista existe para criar, para fazer os outros sonhar, para rir, seja o que for. É sempre preciso ter alguém que trate da parte mais burocrática e complexa da nossa vida.
Tirando matemática, foi bom aluno?
Sempre fui razoável. Melhorei na faculdade. Podia ter sido melhor aluno do que fui, mas preferia brincadeira, andar no meu mundo da lua. Sempre fui muito aéreo. E tenho várias fases na vida académica. A primeira foi mais numa de "curtir". Quando voltei, anos depois, já tinha outra maturidade.                                                                                                                                                                    Porque escolheu Direito?
Sempre foi o curso que quis fazer. Nunca quis ser bombeiro nem astronauta. Sempre quis ser advogado ou juiz.
Ainda quer?
Não digo que vá ser advogado ou juiz, mas jurista hei de ser. Hei de acabar o curso. Faltam-me para aí dez cadeiras, o último ano. Já sou finalista há muito tempo [risos]. Gostei muito do meu ano de finalista, mas foi o ano em que todas estas coisas mais recentes começaram a acontecer e tive de tomar uma decisão. Se seguia por ali ou se acabava o curso. Como não sou advogado, nem juiz, nem jurista e a minha profissão é ser comediante, ator e agora apresentador... tive de fazer a minha escolha e essa escolha foi continuar o meu trabalho, ir evoluindo e fazendo outras coisas.
Alguém o levaria a sério como advogado?
Pois... Percebo porque me faz essa pergunta. Se calhar, entraria no meu escritório e pensaria: "Este rapaz, vejo-o a dizer piadas e agora está aqui." As pessoas criam muitos preconceitos em relação aos outros e às vezes podem enganar--se. Considero-me um aluno razoável na faculdade, tenho média de 14, aquilo que sei, sei mesmo. Por isso, não é por ser humorista ou cantor que vou ser melhor ou pior técnico de justiça. Mas vejo-me a exercer. Porque não? Já vi mais, mas essa forma de olhar para mim com desconfiança enquanto advogado aconteceu mais quando só fazia comédia e em que só dizia asneiradas, eu próprio sentia isso em relação a mim. Mas agora já conseguiram ver que tenho uma parte mais séria, mais profunda, não tão brincalhona. Consigo fazer outras coisas...                                                                                                                                                                                                  Muito por culpa de Queridas Manhãs...
Sim. Este programa veio mostrar-me às pessoas de uma forma completamente diferente. Mas atenção, brincar e fazer palhaçadas é a minha maneira de estar na vida. Sou naturalmente bem-disposto. E é assim que estou no programa e seria assim que estaria na vida se fosse advogado ou outra coisa qualquer. As pessoas não têm de deixar de ser como são só porque se tornam doutores ou advogados. Mas tenho um lado mais sério, mais sossegado, mais profundo em que é possível ter conversas sérias. As pessoas não estão habituadas a ver o João Paulo no seu lado sério e acham estranho, mas também gostam.
Os seus professores brincavam consigo por ser conhecido?
Sim. Há um episódio muito engraçado de um exame que estava a fazer, de Direito Comercial, em que o primeiro grupo de perguntas se referia à "junta de freguesia de Curral de Moinas". E eu nos primeiros dez minutos do exame fico bastante nervoso e nem olho para o enunciado. Os meus colegas começaram logo a chamar--me à atenção e a rir-se. Mas os meus professores sempre levaram isso na boa.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              Nunca o beneficiaram por isso?
Não deram mais abébias nem foram mais exigentes. Pode acontecer que um ou outro colega pense que por eu ser conhecido o professor me dá mais abébias. Mas é precisamente o contrário. Por ser conhecido o meu esforço foi redobrado. Tive de me esforçar um pouco mais. Queria mesmo que as pessoas dissessem: "Não, este rapaz estudou e sabe." E sou daquelas pessoas que só iam fazer exame quando tinham a certeza de que sabiam e de que iam tirar boa nota. Gosto de fazer as coisas por aquilo que sou e gosto de que as pessoas sejam capazes de olhar para mim e consigam ver que tenho o meu valor e que consigo fazer as coisas por mim. Só por isso.
Nunca nenhum dos seus professores disse ser seu fã?
Várias vezes. Ficava sempre muito envergonhado. Sou muito discreto e tímido. Não gosto de dar nas vistas. Tive uma professora que, numa das primeiras aulas, me disse que estava habituada a ver-me de bigode e de cuecas. Fiquei logo muito vermelho.
Viveu a vida de estudante ao máximo?
Vivi aquilo que tinha de viver. Fiz e faço parte da tuna, fiz também parte do grupo de fados da minha faculdade.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      De onde vem o seu nome de praxe cabo?
Entrei para a faculdade mais ou menos um ano depois de ter acabado a tropa e na altura, no dia de receção ao caloiro, perguntaram quem queria ser praxado e disseram que havia algumas exceções, como a pessoas casadas, com filhos ou que tivessem ido à tropa. No meio de 200 e tal pessoas, levantei o dedo, disse que tinha ido mas que queria ser praxado. E passaram a chamar-me "o nosso cabo". E todas as manhãs o dux lá me chamava para perto dele.
Que opinião tem das praxes?
Tenho uma boa opinião, porque a praxe que me foi dada e a praxe que dei na minha faculdade tinha como único objetivo a integração. Posso dizer que mantenho contacto com uma grande parte das pessoas que entraram comigo, porque foi uma forma de quebrar o gelo. Para mim, praxe não é fazer figuras ridículas ou rastejar no chão. É o esforço que existe de ter toda a gente junta durante o tempo convencional da praxe. Criamos um espírito de união, passamos ali muito tempo com outras pessoas e fazemos jogos, divertimo-nos. A praxe, quando é feita com o intuito de integrar as pessoas e de as receber, não faz mal nenhum mesmo.                                                                                                                                                                                                                                                                          "Neste primeiro ano na sic pratiquei muito a arte do silêncio"
Há um ano disse que a cadeira de apresentador era o seu foco. Um ano depois, passou com distinção ou tem de ir a recurso?
Passei o primeiro ano, não reprovei. O balanço é positivo, as coisas correram muito bem. Ultrapassei fantasmas, destruí alguns medos que tinha.
Tais como?
Sou uma pessoa muito nervosa, tímida. A diferença do João Paulo de agora para o de há um ano é enorme. Vejo emissões de Não Há Bela sem João e não tem nada que ver. Gritava muito mais, passava o tempo aos saltos, a recorrer à piada porque estava nervoso e não sabia onde me havia de me meter. Este primeiro ano serviu para perceber que consigo estar completamente descontraído, dominar os temas de que ali se fala. Consigo gerir a confusão que é estar à frente de um programa. Essa foi uma das minhas cadeiras este ano. A outra foi conseguir ser um bocadinho mais profundo, falar um bocadinho mais a sério. O público não estava habituado a ver-me falar a sério, e eu também não.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              E a culpa desta nota positiva é da professora ou do aluno?
É de toda a gente que faz o Queridas Manhãs. Em primeiro lugar, da Júlia Pinheiro. Fui muito bem recebido por ela. Se for um aluno atento a tudo o que ela faz, dá para tirar muitas lições. E além disso é importante o silêncio. Este ano pratiquei muito a arte do silêncio. Às vezes falo pouco, dizem-me. Mas não posso chegar ali e querer ser apresentador do dia para a noite. Se sou entertainer, comediante, tenho de fazer a transição devagarinho. Às vezes estar em silêncio é o melhor que se pode fazer. Estou a ver aquela senhora que faz aquilo há 30 anos a fazê-lo tão bem. Às vezes fico, como ela diz,ognobilado a olhar para ela. Mas a Júlia diz para não ficar o tempo todo calado, para ir metendo o bedelho. Só por aí já se aprendia muito. E ela é uma pessoa muito generosa. Diz-me sempre onde falho, o que devo mudar. E, muitas vezes, após o programa ainda vamos os dois treinar certas coisas, como o teleponto, por exemplo. E há também toda uma equipa que me ensina diariamente, que faz que me sinta melhor todos os dias.
Qual o maior desafio que enfrentou ao longo deste primeiro ano à frente das manhãs?
Talvez quando a Júlia se sentiu mal e fiquei sozinho, de repente. Não estava a contar com isso. Nunca aconteceu dizerem-me que no dia a seguir ia fazer o programa sozinho, mas quando isso acontecer tenho uma noite para me preparar. Nem que não durma, mas vou saber tudo de uma ponta à outra, porque vou pensar que não tenho a Júlia ao meu lado e terei de antecipar tudo o que possa acontecer.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      Sente-se preparado para apresentar o programa sozinho?
Sim, apesar de achar que nunca estamos verdadeiramente preparados, mas estou mais bem preparado hoje do que há seis meses. E daqui a seis meses estarei ainda mais. Mas voltando a essa situação da Júlia, foi algo que nunca esquecerei. Ela saiu do ar, fiquei sozinho e ela fez uma coisa muito especial. Pensei que se tinha ido embora, mas esperou até ao intervalo para ver se eu conseguia ficar sozinho. E disse-me: "Estás perfeitamente à vontade, estás bem, sinto que me posso ir embora." Aquele voto de confiança dela foi qualquer coisa...
Sente pressão pela aposta que fizeram em si?
Obviamente que se sente sempre uma pressão. A Júlia espera muitas coisas de mim, que esteja empenhado, que aprenda, que tenha disponibilidade para aprender. Mas fui deixando de sentir essa pressão ao longo do tempo. Faço aquilo porque gosto e me divirto, e agora já só me divirto.
Já se considera um apresentador?
Considero-me apresentador porque sou um apresentador. É o que faço todos os dias e gosto muito de o fazer. Tenho muito ainda que evoluir, muito a melhorar. A parte das entrevistas, por exemplo, porque tenho tendência a fazer uma pergunta e a dar a resposta.









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